quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

com amor

resisto aguardando ansiosamente
teu telefonema.
amanhã acordaremos
e minha pele ainda estará a mesma,
os olhos caídos replicando dores agudas.
o cinza da pele é irreparável.
chico tenta extrair tudo que pode,
mas foram apenas meus olhares
despencando nas tatuagens do braço esquerdo.
perfeitas instituições de cinismo.
me sinto curiosa em saber o que escreve
por horas na sala fria.
devem ser notas de vertigem ou coleções do
cais, uma ponte,
duas vezes a lembrança do último fim de semana.
uma hora vou me cansar desses
barulhos absurdos de chuveiro
ao lado. já são duas noites seguidas.
dizem que nunca farei sonetos.
mas por ti, chico.
o segundo nome de chico está em italiano.
você nunca chega na hora.
nunca imagino o que isso pode acarretar,
talvez minha camisa purple de botão
abarrotada no calor.
atiro seus pedaços na parede do quarto.
em outros tempos, sairíamos para ler no parque.

sábado, 27 de abril de 2019

aos 22

na madrugada gosta menos dos aspectos que o trazem ao devir algo. algo like what?
mas não faz a menor ideia do que isso possa significar.
faz menção ao que não se pode identificar? 
faz três dias não escreve no diário, não é uma doença ou falta circunstancial,
apenas não saber o que se registra
ou o que não se deve registrar diariamente.
o que se deve registar diariamente?
coisas com as quais não sonhamos um movimento que não acontece a palavra 'não' repetida inúmeras vezes como um devir.
o 'não' talvez seja a palavra repetida inúmeras vezes por ele
enquanto estavam juntos 
um ao lado do outro no ônibus, ambos insatisfeitos com o diálogo.
não. há uma gota que cai às 00:00.
não. alguém que me pensa de perfil.
não. devo esquecer registros autobiográficos nos teus versos.
não. imito um som irresistível das gotas caindo no telhado.
não. copio versos quase que instantaneamente. 

quinta-feira, 25 de abril de 2019

daqui escuto o piar dos ratos

o ratos não param de piar,
vão em dupla fazendo com que as caixas e gavetas
sejam habitadas particularmente
na úmida cozinha.
os armários abrigam
temporariamente os ratos,
daqui não consigo vê-los.

escuto o piar dos ratos.

estou escrevendo uma resenha de um texto.
minhas mãos tremem, em pouco tempo
devo dar continuidade a resenha antes que o prazo
                                                                               se esgote.

os ratos não param de piar.

as mãos dele tremem.
ele sente um enorme medo de alguma doença degenerativa
ao lembrar que uma vez,
mal conseguindo responder a prova,
tremeu repetidamente enquanto analisava
contos machadianos.

os ratos não param de piar.

agora anda observando os quartos vazios
para procurar os ratos.
lá encontra apenas vestígios sintomáticos,
memórias exatas e períodos momentâneos nas gavetas.
olhava para o relógio com muito medo.
sinto medo, muito medo.
a mãe grava um áudio de alguns segundos dizendo:
 - você precisa se acalmar, John.
estava sozinho, recuperando-se dos verborrágicos
sintomas que o faziam perder a fala, mal conseguindo reagir às cartas
de Ofélia, recebidas há dias, guardadas na gaveta.

os ratos não param de piar.

as cartas diziam quais eram
os próximos atos a serem seguidos:
mantenha cautela, seja generoso, evite brigas.
momentos difíceis.
o cansaço dos dias disputava presença entre ambos.
encontraram-se desconfiados.

- Já fazem muitos dias não anoto absolutamente nada no diário.

os ratos não param de piar.



quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

tente lembrar o mínimo desta que não fecha

ouvia a música que por horas escutamos em silêncio,
fingindo uma coreografia,
sutilmente corrigindo erros de pronúncia.

percebe   como   você   me   pronuncia?
pergunto: - do you remember?
pois quero saber se você sabe
o significado de lembrar.

é desta forma que os resistores
alcançam a ponte
desta vez descobriremos o segredo
                                                      [da poesia japonesa, por que não?

it's real in my mind
ele parece querer celebrar nossos imediatismos,
acordar os sinônimos de silêncio,
perceber olhos e mãos exaustas.

acordar às quatro e meia
trocar as primeiras mensagens
pergunto: - do you remember?
o que sonhou desta vez?

ele diz na primeira tentativa
que foi sobre duas mulheres,
duas mulheres que riscaram uma linha
circular na minha barriga com um objeto cortante,
a pele não doía, não poderia doer.

as mulheres eram más
faziam para atacar a sua ingenuidade
corrompida no sonho.
então, chorei pelo fio vermelho
ilustrando a barriga.

senti como se fosse meu
o corte.
aparentemente, o círculo
ainda não estava fechado.
me disse que sabia de uma lenda,
se o círculo fechasse, morreria imediatamente.

sábado, 22 de setembro de 2018

dias de abandono

           Um hoje amanhã quase irremediável. Escreveu três parágrafos e deixou que o astrólogo se responsabilizasse pelo resto. 5 horas corrigindo 500 textos na fria biblioteca, Whitman do lado diagnosticando cada medo de erro, errar a linha, a vírgula, errar a correção. A mão que segura o lápis, mão esquerda, tremendo. Por favor não, não me faça perguntas comprometedoras, sou discreto até que se prove o contrário, até que se fale o contrário, até me tirar a blusa e arranhar as costas em pleno exercício de amor e ódio e andropausa. O texto não pode me esperar, uma vez que ultimamente venho pensando muito em Breno, no fingimento daquele corpo que assumia a comoção. 3 casas são vistas durante seu percurso, olhando para a feridinha no joelho, vai indo de encontro com o dedo indicador para excitar o local avermelhado, o sangue escorrendo cada vez mais como uma boa notícia.
           Conversando, atrofiando os dedos da mão esquerda, dificuldade de vomitar, banheiro, cama sem colchão, a falta d'água, lama. Não consigo telefonar, mamãe ligando loucamente, lembro de dizer que voltaria mais cedo. A bolsa relicário esparramada no colchão, reunir tudo o mais rápido possível antes que a ânsia se consuma, me fazendo perder mais tempo. Chamar um táxi e lembrar: jamais me demorar neste lugar.

césar vallejo

Olhando o telhado
até ver todas as telhas
desaparecem
as folhas, completas,
pendendo secas
no chão do quarto

Imundícies no pescoço
assumindo a precariedade
dos lábios inferiores
e a notícia
que deixou todos abalados

Confesso abaixo
o bicho que me castigou
durante todo esse tempo
as linhas da face
recortadas pelo tumulto
do silêncio
que é escrever
um poema

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

de três meses o que consigo lembrar

enquanto ouvíamos algum disco eu e você lembramos suficientemente entorpecidos ao menos tentamos lembrar a todo custo das aulas de literatura em 2013 quando o professor nos confessou amar as horas dedicadas a escrever poemas com letra de forma completamente nu em seu quarto nu sem roupa alguma sem anúncio algum hoje escrevendo penso que faço exatamente a mesma coisa ainda que naturalmente e longe de qualquer propósito é como escrever um romance inteiro usando caneta esferográfica cor preta (jamais azul) e somente algumas anotações iniciais à lápis Édith ao fundo fazendo treinar o meu francês sem piedade alguma preciosos tempos digerindo o almoço lendo Murakami e botando pra quebrar esqueci a última vez que vi Silas sorte a minha amo Paulo acho o erro mais explícito já cometido G. nunca entende o que escrevo ela me diz que pareço um russo sem pudor próximo - ou quase nada - da homossexualidade assumi minha sexualidade ouvido jazz i want a big butter and egg man a playlist do Murakami toda a sua coleção de discos reunida thanks Bobby.